O Tribunal do Júri da Comarca de Araranguá condenou um homem denunciado pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) pelo crime de homicídio, por ter dado causa à morte da própria esposa, ao lhe transmitir o HIV. Os jurados, seguindo a argumentação do Ministério Público, entenderam que o réu assumiu o risco de matar a esposa ao deixar de lhe informar que ele era soropositivo, o que a impediu de procurar o tratamento adequado. A mulher morreu em decorrência de complicações causadas pela AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Humana), doença que contraiu durante os 10 anos em que fora casada com o réu e manteve relações sexuais com ele sem se prevenir, pois não sabia dos riscos a que estava exposta.
O réu deverá cumprir uma pena de 12 anos de reclusão, em regime inicialmente fechado, tendo sido condenado nos termos da denúncia do MPSC, por homicídio com dolo eventual, causado por omissão, “quando o omitente deveria e poderia agir para evitar o resultado”.
O Promotor de Justiça Gabriel Ricardo Zanon Meyer atuou no julgamento perante o Conselho de Sentença.
Conforme o MPSC sustentou e comprovou na ação penal pública, o réu, mesmo sabendo que era soropositivo desde antes do casamento, nunca informou a vítima sobre esse fato, e sempre manteve relações sexuais com ela, sem usar preservativo. Além disso, ao saber que a vítima teria contraído o HIV, o réu nada fez para evitar a sua morte ou comunicá-la sobre a necessidade de buscar o tratamento, assumindo, assim, o risco de causar a morte da esposa.
Segundo o perito médico legal ouvido durante o processo, a vítima foi levada ao hospital por familiares após ser retirada `das mãos’ do réu apresentando um quadro grave de saúde. A mulher recebeu atendimento médico, e chegou a ficar internada no Hospital Regional de Araranguá por 10 dias, mas somente durante a internação se descobriu que ela havia sido infectada pelo HIV. Apesar de receber tratamento, ela acabou falecendo ainda no hospital, em razão do estágio avançado da doença, apenas três dias depois da confirmação do diagnóstico.
Ainda conforme o perito médico legal, a AIDS reduz a imunidade e facilita a entrada e o desenvolvimento de qualquer tipo de infecção e lesões, inclusive cerebrais. A vítima, se estivesse ciente, poderia ter iniciado o tratamento adequado.
MPSC requereu que réu fosse punido pela omissão
Após a denúncia, depois da fase de instrução, o Ministério Público requereu ao Juízo para qualificar a conduta do réu na modalidade omissiva, que ocorre quando a pessoa não faz o que pode e deve para evitar o crime.
Conforme o Promotor de Justiça Gabriel Ricardo Zanon Meyer, o caso teve contornos muito graves, pois o réu, mesmo sabendo, desde 2003, que era HIV positivo, manteve relações desprotegidas com a esposa durante anos, sabendo que, assim, poderia infectá-la, tendo ele prosseguido com sua conduta mesmo ciente de que ela poderia morrer de AIDS.
“Como ele, com seu comportamento anterior, criara o risco de ela desenvolver a doença, ele tinha a obrigação de agir para evitar a morte da vítima, mas, mesmo assim, nunca lhe informou sobre a doença, o que impediu que ela buscasse o tratamento adequado, que é disponibilizado gratuitamente pelo SUS. Por isso, o réu foi considerado responsável pela morte, tendo ele aceitado com indiferença o fato de transmitir à vítima uma doença fatal, conduta que a lei chama de “dolo eventual”, quando o agente assume o risco de produzir o resultado lesivo”, destaca o Promotor de Justiça.
O réu não foi denunciado por feminicídio somente porque, na época do crime, não havia sido aprovada, ainda, a lei que prevê essa qualificadora.
Na sentença, o Juiz concedeu a possibilidade de o réu recorrer em liberdade, já que ele permaneceu solto durante o processo.